Olhar o horizonte

Estamos no ano de 2023. São dez anos desde as chamadas “jornadas de junho”, quando irrompe no país um fenômeno político que se manifesta nas ruas, expondo uma complexidade de movimentos e causas de esquerda, bandeiras e intenções de extrema-direita, grandes ondas que se articulam aos acontecimentos sociais e políticos que abalaram o país nos anos seguintes. Uma Copa do Mundo que negligenciou e violou direitos humanos em todas as cidades por onde passou, um golpe parlamentar-judiciário-midiático que levou ao impeachment da primeira presidenta do país, a ascensão da extrema-direita ao poder, um vírus letal que atingiu toda a esfera planetária, ganhando proporções genocidas no Brasil, o triunfo da alienação e desinformação digital e, ainda, ou, por fim, as acirradas disputas no campo ordinário, judiciário e político que culminaram na eleição do atual presidente Lula. Estamos em 2023 e nos parece que agora é possível respirar novamente. É possível abrir a janela, olhar o horizonte e retomar a caminhada.

Em sua 8ª edição, a Mostra A Cidade em Movimento trouxe para o centro das provocações temáticas a ideia de “olhar o horizonte”. Por mais que o horizonte possa representar o limite visual, é ele que nos convida ao movimento de expansão e devolve às imagens o compromisso de refletir as realidades – pensando em horizontes no plural – e fabricar outros futuros, pensando nos horizontes por vir. Ao desenhar o horizonte como lugar móvel e inquieto, a Mostra convida um longa, um média e 14 curtas-metragens ao encontro das imagens com as conversas que permeiam a cena política e audiovisual de Belo Horizonte. Atenta aos sinais dos tempos e à poética que acompanha o movimento político contemporâneo, celebra o segundo ano de retomada das sessões presenciais num contexto político que restabelece a esperança, o olhar e o desejo pelo amanhã.

A primeira sessão, Cidade: Substantivo Feminino?, exibe dois filmes produzidos por mulheres, trazendo ao debate os temas da arte urbana e da mobilidade na perspectiva do corpo feminino e do corpo não binário. O documentário Sobre Ruas e Interseções, de Ludmilla Cabral, reúne grafiteiras de Belo Horizonte num diálogo sobre a arte urbana feita por mulheres e as camadas que se abrem e se relacionam a partir desse lugar.

7Giras Passageiras, de Denise dos Santos, Luana Costa e Michelle Sá, apresenta e relaciona histórias de pessoas que, a partir dos lugares de mulher, de mulher preta e de pessoa não binária, lidam com inúmeros desafios e formas de violência nos deslocamentos cotidianos pela metrópole.

Na sessão Além de Onde a Vista Alcança, filmes que assumem trajetos pelo espaço, pela palavra e pela performance, no trabalho da arte que abre frestas e caminhos para outras formas de olhar e sentir. Céus de Maio, do Quando Coletivo, faz do céu a poesia numa proposta de criação partilhada no bairro São Geraldo. Em A Escuta de Angelus, de Lucas Antônio Morais, somos colocados dentro de uma casa que se desfaz, e lá encontramos memórias e sons comuns na cidade. Rua sem Nome, Nº Desconhecido, de Marcus Nascimento, o diálogo com a situação de rua em Belo Horizonte e alguns de seus personagens moradores. Estudo para uma Pintura o Lavrador de Café, de Desali e Rafael dos Santos, nos convoca ao gesto singelo do olhar e àquilo que dele irradia na prática da vida em comunidade. Em Sómaisum, giros na cidade, a partir do bairro Alto Vera Cruz, mobilizam a música, a poesia, a performance e a intervenção urbana numa tessitura poética com o pixo “somaisum”. A partir do pixo, palavra que fala nos muros e superfícies do urbano, chegam outras vozes, artes e assuntos da cidade. O filme foi realizado coletivamente por Adriane R. Lima Moreira, Ângela Maria Silveira, Beth Nascimento, Giovana Lima, Ivo Venerotti, Jessilene Marcelly, Raylle Cleven Wilken, Rosangela Lerere, Sônia Maria Rodrigues, Vitão e Vlad Riomar, alunes da Escola Livre de Artes Arena da Cultura.

Na sessão MultipliCidade, formas de perceber e escrever a própria história diante dos horizontes possíveis e imaginados. Filmes que convocam as juventudes no plural, trazendo algumas de suas questões. Abrindo a sessão, o curta A Ficha Caiu, de Rodneia Nogueira Duarte, o racismo e a tomada de consciência da negritude nas memórias da adolescência escolar. O filme C:\lixeira, de Arthur Quadra, um corpo personagem transita por questões de gênero e sexualidade num trabalho de montagem que articula imagens antes descartadas. No filme Bolha, de Leandro Wenceslau, os desafios de um menino de 13 anos diante da vida em uma nova cidade. Em Lapso, de Caroline Cavalcanti, um jovem preto e uma jovem surda cumprem uma medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, compartilham afetos e o medo da repressão.

Na sessão Ocupar a Cidade, Habitar a Vida, a Comissão de Comunicação e Cultura do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB-MG apresenta Filme de Luta – Histórias de Ocupações Urbanas em Belo Horizonte. O documentário retoma memórias da resistência em sete ocupações urbanas da capital, territórios que expandem a noção de cidade a partir de seus moradores, e também abre espaço para as relações entre cultura, arte e política na luta e conquista do direito à moradia. A sessão retoma o ano de 2016, quando a primeira Mostra A Cidade em Movimento trouxe o tema Cinema de Movimento, dedicando metade de sua programação a filmes produzidos em ocupações urbanas de BH. De lá pra cá, diante de tantas lutas e, portanto, tantos filmes, o cinema não apenas assume seu lugar na urgência dos movimentos sociais, mas também se configura como campo de memória de uma cidade em disputa e expansão.

A Mostra se encerra com a sessão Retomar o Fio da História. No filme-poesia de Eduardo DW, Delírio Elegante, o movimento de expansão e retração do corpo-palavra que vive e sonha a cidade de dentro de casa, de dentro da rua. Em Dia 30 em Atos, de Gabriel Bispo, retomamos o dia 30 de outubro de 2022 e escutamos algo em comum no horizonte. Reação, vibração e um novo presidente eleito. Enquanto a Terra Empina o Céu, filme experimental de Julia Maria, o que fazer enquanto estamos dentro e como tramar a saída para fora, um retrato livre sobre a liberdade. No documentário A Fila da Mudança, de Amanda Dias, agora estamos no mundo e por lá também é possível sentir outros ares. São tempos de esperança e retomada da democracia no Brasil.

Com esse conjunto de filmes, a Mostra nos convida a olhar o horizonte e nele encontrar caminhos, portas abertas ao desejo, direitos conquistados e agora em processo de retomada. Olhar o horizonte sem perder de vista os discursos e táticas de ódio e alienação que ainda proliferam no tecido social e político. Reconhecer a cidade, seus filmes e ir além de onde a vista alcança como gesto de encontro com aquilo que é plural, como forma de imaginar e habitar o coletivo, a arte e a vida.

Paula Kimo
Curadora

Após a sessão, haverá uma roda de conversa com a presença das diretoras e convidados

Pelos caminhos, ruas e muros da cidade, qual desenho se forma quando o corpo que passa é o corpo de uma mulher, de uma mulher negra, de uma mulher trans, de uma pessoa não-binária? Em que medida a cidade, substantivo feminino, é sensível ao protagonismo e à liberdade desses corpos? Histórias de artistas, mães e trabalhadoras atravessadas pela estrutura ainda patriarcal da cidade.

Convidada especial: DJ Black Josie – DJ e produtora musical | MG

Musicista e produtora musical, Luciana Gomes reúne suas habilidades e experiências profissionais para dar vida à “DJ Black Josie”.  Dedica-se à pesquisa da soul music e sua reverberação no Brasil (Música Preta Brasileira). É integrante do corpo docente da Arena da Cultura – Bastidores das Artes / Trilha Sonora / Produção Musical.

Mediadora: Paula Kimo – curadora da Mostra A Cidade em Movimento | MG

Após a sessão, haverá uma roda de conversa com a presença dos diretores dos filmes e convidados

Diante da dureza da cidade, a arte abre frestas e ilumina caminhos para outras formas de olhar e sentir. Os tempos difíceis que ainda reverberam na atualidade, nos provocam a perceber e ressignificar os espaços e seus personagens vivos. Olhar o horizonte como quem olha para o infinito do céu.

Convidada especial: Flaviana Lasan – Curadora e Produtora Artística | MG

Flaviana Lasan é licenciada em artes visuais (UEMG) e pós-graduada em Ensino de História e América Latina (UNILA), seus principais estudos estão dirigidos à discussão relacionada às relações sociais opressivas, território e mercado, com ênfase nos temas de história, educação e arte. Atuou como produtora em diferentes equipamentos artísticos pelo Brasil; como professora em iniciativas privadas, públicas e independentes e com produção de artistas de vários países. Entre as últimas ações curatoriais estão a 6ª e 7ª edição do CURA, projeto Desvios do Sesc Palladium, Festival Audiovisual de Cultura e a Fundação Clóvis Salgado.

Mediadora: Paula Kimo – curadora da Mostra A Cidade em Movimento | MG

Após a sessão, haverá uma roda de conversa com a presença dos diretores dos filmes e convidados

Formas de perceber e escrever a própria história diante dos horizontes possíveis e imaginados. A palavra “juventudes”, palavra grafada no plural, busca abarcar a multiplicidade de sentidos do viver adolescente e jovem na cidade. A cor da pele, o lugar de origem, as distintas formas e fases de desenvolvimento da sexualidade, as diferenças e singularidades na construção dos afetos e modos de se posicionar.

Convidada especial: Fernanda Patuá – Assistente Social e Articuladora Sociocultural | MG

Fernanda Patuá, enegrecida e enegrecendo; mãe e avó; assistente social e articuladora sociocultural atravessada pela temática da responsabilidade social; empreendedora e artista da marca de acessórios Kuenda; integrante do grupo Tambor Mineiro.

Mediadora: Paula Kimo – curadora da Mostra A Cidade em Movimento | MG

Após a sessão, haverá uma roda de conversa com a presença da equipe do filme e convidados

A primeira mostra A Cidade em Movimento, em 2016, apresentou filmes das ocupações urbanas Dandara e Izidora, abrindo mais um espaço de debate acerca da luta por moradia digna em Belo Horizonte. Anos depois, a mostra exibe “Filme de Luta – histórias de ocupações urbanas em Belo Horizonte” produzido pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, que traça um fio entre ocupações de moradia da cidade, retomando memórias da resistência e a interseção entre cultura, arte e política na conquista pelo direito de morar e viver bem em Belo Horizonte.

Convidado especial: Joviano Maia – arte-educador, ativista, advogado popular e urbanista.

Formado em direito pela UFMG, mestre e doutor em arquitetura e urbanismo, também pela UFMG. Participou da fundação das Brigadas Populares (2005) e do Coletivo Margarida Alves (2012) em Minas Gerais. Atuação em assessoria técnica popular na área ambiental, direito à cidade, direitos humanos, cultura, povos e comunidades tradicionais. Atualmente trabalha como assessor parlamentar no mandato da Deputada Federal Célia Xakriabá.

Mediadora: Paula Kimo – curadora da Mostra A Cidade em Movimento | MG

Após a sessão, haverá uma roda de conversa com a presença dos diretores dos filmes e convidados

São tempos de esperança e retomada da democracia no Brasil, tempo de olhar o horizonte e nele encontrar caminhos para a luta, portas abertas ao desejo, direitos conquistados e agora retomados. Ainda existe muito trabalho a fazer, mas já é possível sentir a volta da potência de vida que nos foi sequestrada.

Convidado especial: Renato Negrão – poeta e arte educador | MG

Artista da palavra e da imagem, publicou Vicente Viciado, Odisseia Vácuo, entre outros. Ministra cursos de escrita criativa e atua, desde 1996, com linguagens e suportes variados, do livro à performance, da letra de canção à fotografia. Investiga as relações entre palavra, imagem, som e pesquisa o viés pedagógico da prática artística. Possui trabalhos publicados em Angola, Moçambique, Alemanha, França e EUA.

Mediadora: Paula Kimo – curadora da Mostra A Cidade em Movimento | MG